19 fevereiro 2010

Lei n.º32/2008 não revogou artigo 189.º CPP - Acórdão TRC

A Lei n.º32/2008, de 17 de Julho, foi objecto de recurso junto do Tribunal da Relação de Coimbra, numa questão interessante. O Tribunal pronunciou-se no sentido da referida Lei não ter operado uma revogação tácita do artigo 189.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Esta Lei nº32/2008, que transpõe a Directiva n.º2006/24/CE, legisla a conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. O novo regime legal foi analisado pelo PITI aqui e aqui.

Resumidamente, a questão que se colocou ao Tribunal da Relação de Coimbra foi "saber se a entrada em vigor da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, revogou o disposto no art. 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, impossibilitando a obtenção da identificação de assinante de serviço de telemóvel para investigação de crime que não corresponda a um dos crimes classificados como “crime grave” pelo art. 2º, nº 1, al. g), daquela Lei".

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A questão teve origem numa queixa contra desconhecidos por factos susceptíveis de integrar a prática do crime de "Violação de domicílio ou perturbação da vida privada". Foram efectuadas chamadas anónimas, por via de telemóvel, para o queixoso, alegadamente perturbando-lhea vida privada, a paz e o sossego. O Ministério Público requereu ao Juiz de Instrução Criminal que determinasse à operadora que informasse quanto aos números utilizados para realizar tais chamadas, com consequente quebra do sigilo das telecomunicações.

O Juiz referiu, por via de despacho que "Tal crime, embora subsumível ao disposto no Código de Processo Penal quanto a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, não pode subsumir-se ao catálogo elencado na referida Lei n° 32/2008. Ora, salvo melhor entendimento, não pode deixar de entender-se que a referida Lei derrogou, quanto aos dados ali previstos, o disposto no artigo 189° do Código de Processo Penal". A obtenção da informação que o MP pretendia obter da operadora aconteceria por via do artigo 189.º do CPP, cujo n.º2 refere que a obtenção de registos da realização de conversações só pode ser ordenada por despacho do juiz quanto a um certo número de crimes, onde se inclui a "pertubação da paz e do sossego, quando cometidos através do telefone" (art.187.º/1,e)).

Ora, a se a Lei n.º32/2008 tivesse revogado o artigo 189.º da CPP, estaríamos perante uma redução dos crimes sujeitos à obtenção de dados sobre localização celular, bem como de registos da realização de conversações e comunicações. Sabendo que a referida Lei dispõe relativamente a crimes graves, a investigação relativa a crimes previstos no artigo 187.º não qualificáveis como graves ficaria desprovida de tão poderosa e importante ferramenta.

Perante esta questão, o Tribunal da Relação de Coimbra notou que o "objecto da Lei n.° 32/2008 diz respeito à conservação de dados para fins de investigação e repressão criminal dos crimes graves, que igualmente definiu e cujo âmbito delimitou. “Não é assim, face às mais elementares regras da hermenêutica jurídica, uma lei especial em relação ao Código de Processo Penal". O Tribunal conclui que "É óbvio que o legislador não pretendeu eliminar a obtenção legítima de dados de tráfico e localização em relação a outros crimes, designadamente, aqueles que se encontram previstos, residualmente, no artigo 187.° n.° 1 do Código de Processo Penal".

Em suma, "pretendendo-se apenas a identificação de um assinante ou utilizador registado, (...) a questão que se coloca já não é uma questão de tutela da inviolabilidade das comunicações ou do direito à reserva ou intimidade da vida privada, mas sim uma questão de acesso a dados informaticamente tratados. Nesta medida, dados como a identificação do assinante ou utilizador registado estão a coberto do sigilo profissional que impende sobre o operador da rede telefónica, mas podem ser obtidos mediante despacho fundamentado de autoridade judiciária, aplicando-se o incidente previsto no art. 135º do CPP quando o operador deduza escusa".



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