05 novembro 2009

(sem) Garantias para o acesso à Internet

Depois de há um ano ter sido notícia (Há lei 3 avisos ou não? e PE e os 3 avisos), o Parlamento Europeu volta a ser notícia relativamente aos '3 avisos'. Desta feita houve acordo entre os eurodeputados e o Conselho Europeu quanto à inclusão da medida "3 avisos" no pacote das telecomunicações.

A notícia do Parlamento Europeu diz-nos que "O acesso dos cidadãos à Internet só pode ser restringido após um processo justo e imparcial, que salvaguarde o direito de o utilizador ser ouvido. Esta era a última questão em aberto no pacote das telecomunicações, sobre a qual os representantes dos eurodeputados e do Conselho chegaram ontem à noite a acordo". Não podíamos estar mais de acordo: "processo justo e imparcial, que salvaguarde o direito de o utilizador ser ouvido" é o mínimo que se pode exigir.

Continua a notícia com um tópico intitulado "Eurodeputados obtêm garantias para o acesso à Internet" - aqui duvido que essas garantias estejam asseguradas. Ora, refere a notícia que "As restrições de acesso à Internet só poderão ser impostas se forem necessárias, proporcionais e apropriadas a uma sociedade democrática, decidiram os representantes do PE e do Conselho. Todas as medidas devem respeitar o princípio de presunção de inocência e o direito à privacidade e ser precedidas por um processo equitativo e imparcial que garanta o direito a recurso. Em casos de urgência, poderá ser seguido um procedimento ad-hoc apropriado, desde que respeite a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.Os internautas poderão doravante referir estas disposições nas acções judiciais intentadas contra uma decisão de um Estado-Membro de restringir o acesso à Internet." Não só não está prevista a intervenção judicial previamente ao corte do acesso à Internet, como se refere que numa eventual disputa judicial (leia-se posterior ao corte, e, logo, depois de estarem produzidos os danos na esfera do internauta alegadamente infractor) estas disposições podem ser utilizadas como argumentos - disposições que são por demais genéricas: "necessárias, proporcionais e apropriadas a uma sociedade democrática".

A verdade é que não foi possível integrar a obrigatoriedade de uma decisão judicial prévia ao corte da Internet: "o Parlamento Europeu defendeu várias vezes que não devia ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores da Internet sem uma decisão judicial prévia (salvo nos casos em que a segurança pública fosse ameaçada, em que esta poderia ser tomada ulteriormente). O Conselho rejeitou por duas vezes esta alteração, tornando assim inevitável a abertura da conciliação (terceira e última etapa do processo legislativo da UE)".


O que se veio argumentar é que tal medida, ordem judicial prévia, seria uma ingerência no sistema judicial dos Estados, o que violaria as competências da União Europeia. Não podemos aceitar esta argumentação. Infelizmente, este resultado parecia incontornável, já em Outubro o Parlamento tinha feito cair a emenda 138 do Relatório Trautmann, que dispunha:


"g-A) Aplicando o princípio segundo o qual, na falta de decisão judicial prévia, não pode ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores finais, previstos, designadamente, no artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia em matéria de liberdade de expressão e de informação, salvo quando esteja em causa a segurança pública e desde que possa seguir-se uma decisão judicial."


Termino com uma passagem da resposta dada pelo eurodeputado Carlos Coelho ao PITI há pouco mais de um ano:

"considero que os princípios da privacidade dos utilizadores e dos direitos de autor devem prevalecer, podendo apenas serem restringidos num enquadramento legal claro. Assim, partilho da posição que apenas uma decisão judicial pode bloquear de forma definitiva o acesso à internet." (a resposta foi transcrita, parcialmente, no post "PE e os 3 avisos").

Infelizmente esta posição parece estar condenada.
O pacote das telecomunicações será votado no final do mês.


Ver a notícia do Parlamento Europeu.
Ver a notícia no DN e no PÚBLICO.
Ver a notícia da eliminação da emenda 138 no Tek Sapo.
Ver no PITI mais sobre os 3 avisos.
Ver a resposta de Carlos Coelho e o post que a motivou.



Edit (6/11/2009): vai uma grande confusão no seio do PÚBLICO, ora reparem na discrepância entre estas notícias: UE proíbe cortes punitivos do acesso à Internet sem decisão judicial e Parlamento Europeu autoriza corte de Internet aos "piratas" sem ordem judicial prévia. Para amenizar há uma 3.ª notícia: Norma europeia sobre corte de Internet a "piratas" levanta dúvidas. Todas datam do dia de ontem.

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