30 novembro 2009

Entidade reguladora da Internet? Parte 2/2

Questão: A inexistência de uma entidade reguladora tem estado na origem dos problemas de insegurança associados à utilização da internet?

(...continuação)

Os grandes riscos que se podem associar à navegação na Internet são os riscos da vida em sociedade, com algumas vicissitudes próprias. O grande problema, isto é, o grande risco acrescido que tem a Internet, prende-se com o facto de não estarmos, enquanto sociedade, preparados para lidar com as referidas vicissitudes. Tomamos como óbvio que uma criança não deverá andar sozinha na rua a partir de determinada hora. Não se apresentará como tão óbvio que não podemos deixar a mesma criança navegar na Internet sem filtros. Sabemos que devemos andar com as vacinas em dia; contudo podemos facilitar se o anti-vírus do computador expirou. O que quero dizer com isto é que os riscos que hoje se vivem na Internet não serão combatidos com a existência de uma entidade supervisora ou reguladora. Da mesma forma, e respondendo directamente à questão colocada, não julgo que a falta de uma entidade reguladora seja a origem dos problemas de insegurança que existem na Internet.

O Estado caminha no sentido de avocar a si um conjunto de competências relacionadas com a Internet. É importante que o faça em sectores chave. Porém, não devemos contar com o Estado (ou outra entidade) para regular toda a Internet, antes devemos aprender a lidar com a Internet de forma defensiva, tendo consciência dos seus riscos. Caso contrário, corremos o risco de vir a fazer da Internet um Estado-polícia.






28 novembro 2009

Entidade reguladora da Internet? Parte 1/2

Questão: A inexistência de uma entidade reguladora tem estado na origem dos problemas de insegurança associados à utilização da internet?


Antes da massificação da Internet, muito dos cibernautas mais afincados assumiram uma posição idealista e extremada quanto à regulação da Internet – rejeitaram qualquer tipo de regulação, exortaram os Estados a manterem-se fora da jurisdição do ciberespaço – ficaram conhecidos como libertários, e até tiveram uma declaração de independência do ciberespaço.


Daí para cá muito se alterou. Os libertários perderam a batalha e o Estado foi ganhando espaço na regulação da Internet. O Estado vem, então, passando a regular cada vez mais sectores do ciberespaço – pense-se na protecção de dados, na privacidade, nos direitos de propriedade intelectual e na criminalidade informática, por exemplo. Os tentáculos do Estado já ameaçam chegar ao ponto da determinação do corte do acesso à Internet – a opção legislativa dos “3 avisos” (no original three strikes and you're out) prevê a possibilidade de ser cortada a Internet a cibernautas que alegadamente acedam a material protegido por direitos de autor, sem a respectiva licença, possivelmente sem uma decisão judicial a suportar tal medida.

A massificação da Internet não foi alheia a tal fenómeno. A rede tornou-se num meio privilegiado de comunicação, de formação e de informação. Por outro lado, a rede também se constituiu como uma forma de impertinência face a poderes instituídos, tanto ditaduras como democracias (mais ou menos bem conseguidas). Com o seu crescimento, a Internet começou a ser vítima da sua dimensão. O seu controlo é tão significativo que passou a ser alvo dos mais altos interesses – vejam-se os exemplos da extensão do confronto Rússia-Geórgia à Internet, bem como o bloqueio do Messenger a países embargados pelos EUA.


O controlo de que pode ser alvo a Internet pode ser de diverso tipo. A batalha essencial do final do séc.XX e da primeira década do séc.XXI prendeu-se com o controlo das infra-estruturas das telecomunicações. O caso recente relacionado com a Internet mais paradigmático foi o da Great Firewall of China que centralizou todos os acessos do país para proceder a uma filtragem. Este exemplo abre a porta para a batalha que se seguirá: o controlo pelos conteúdos.

Aproveito as palavras de um autor brasileiro, Ronaldo Lemos, que diz: “O esforço para a democratização da mídia no século XXI vai ocorrer não com relação ao acesso à infra-estrutura das telecomunicações, mas sim no plano dos conteúdos que circulam sobre esses canais. Nas décadas de 70 e 80, fazia sentido o foco dos esforços de democratização se concentrar na batalha (malsucedida) pela democratização de acesso aos canais de televisão e rádio. Era o apogeu da mídia de broadcast, da comunicação “de um para muitos”. O acesso à infra-estrutura continua importante. Entretanto, não é mais o fator crucial. Com a convergência tecnológica, o foco muda. A batalha desloca-se do plano físico para o plano simbólico…” (sic) em artigo do vol.VIII do Direito da Sociedade de Informação.

27 novembro 2009

"mas apenas com a ordem de um tribunal"

"'É natural que a medida do corte de acesso possa vir a ser tomada, depois de vários avisos ao utilizador, mediante decisão judicial', avançou o ministério encabeçado pela pianista Gabriela Canavilhas. A tutela respondeu desta forma a questões do PÚBLICO sobre formas de combate à pirataria online, numa altura em que o Parlamento Europeu aprovou uma directiva que dá margem de manobra aos estados-membros para implementarem este tipo de medidas, mesmo sem passar por um juiz.

Ressalvando que ainda é prematuro “tecer considerações profundas”, o gabinete de Gabriela Canavilhas explicou, por e-mail, que uma medida deste género “inscreve-se no horizonte de protecção das obras intelectuais, da luta contra a contrafacção em massa e, muitas vezes, com fins lucrativos, do incentivo à criação e na defesa dos interesses dos titulares de direitos”. Mas frisa que “a sua aplicação vai exigir rigor, ponderação dos interesses em presença, adequação, proporcionalidade, equilíbrio e justiça”.

O director-geral da Associação Fonográfica Portuguesa, Eduardo Simões, diz que o facto de o ministério estar aberto a esta possibilidade é um “sinal positivo”. Mas nota que a necessidade de recurso a tribunais poderá tornar o processo demasiado lento.

A associação fonográfica faz parte do MAPiNET, um grupo de pressão antipirataria que agrega vários representantes das indústrias culturais portuguesas e que já pediu uma audiência a Gabriela Canavilhas para debater o problema.

Eduardo Simões sublinha que o corte de acesso não é a única solução que o MAPiNET quer pôr em cima da mesa e que são possíveis outros tipos de resposta, mais brandos: por exemplo, o abrandamento da velocidade de ligação ou o corte do acesso apenas aos serviços de peer-to-peer, sistemas que (embora possam ser usados para fins legais) servem frequentemente para a partilha de software, jogos, filmes e música.

O modelo a que o Ministério da Cultura se refere é inspirado no pioneiro sistema francês de corte da Internet para combater a partilha ilegal de ficheiros — uma estratégia que o anterior ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, tinha afirmado não ser adequada para Portugal
"
O PITI não se vai (re)repetir. Mas, não pode deixar de reparar nas infelizes afirmações de Eduardo Simões que "nota que a necessidade de recurso a tribunais poderá tornar o processo demasiado lento". Não é a primeira vez que o PITI critica as afirmações de Eduardo Simões... que é a única personalidade a quem oferecem palco (pelo menos o PÚBLICO) quando estas matérias são notícia. É pena...

25 novembro 2009

Pacote telecom aprovado no PE

O Parlamento Europeu aprovou ontem o pacote relativo às telecomunicações, que nos suscitou as dúvidas referidas aqui. O lead do comunicado de imprensa refere:
"O Parlamento Europeu aprovou hoje a nova legislação europeia para o sector das telecomunicações, a qual deverá reforçar os direitos dos utilizadores de telefone fixo e móvel e dos internautas e impulsionar a concorrência. As novas regras têm de ser transpostas para o direito nacional até meados de 2011 e prevêem o reforço dos direitos dos consumidores, garantias de acesso à Internet, a protecção dos dados pessoais, o impulso da concorrência e uma gestão mais moderna do espectro radioeléctrico."

As dúvidas suscitadas pelo acordo com o Conselho Europeu, que fez deixar de constar explicitamente a necessidade de uma decisão judicial prévia a um putativo corte de Internet, não terão sido alheias à necessidade de justificação que parece existir neste comunicado de imprensa, onde se pode ler:

"Garantias de acesso à Internet
Qualquer medida que restrinja o acesso de um cidadão à Internet só pode ser aplicada se for "adequada, proporcional e necessária no contexto de uma sociedade democrática", devendo a sua execução ser sujeita a garantias processuais, como um "procedimento prévio, justo e imparcial", incluindo o direito de audiência do interessado, uma protecção jurisdicional efectiva e um processo equitativo. Todas as medidas devem respeitar o princípio de presunção de inocência e o direito à privacidade.
"Quisemos assegurar que os direitos dos cidadãos não fossem menosprezados ou ignorados (...). É a primeira vez que um texto legal se refere ao uso da Internet como exercício de direitos e liberdades fundamentais", salientou a relatora da Comissão da Indústria do PE, Catherine Trautmann (S&D, França).
Os eurodeputados conseguiram que o acesso à Internet tenha uma protecção jurídica equivalente ao de um direito fundamental, ao terem acrescentado a primeira disposição legal do mundo sobre a "liberdade de Internet" à directiva que estabelece um quadro regulamentar comum na UE para as redes e serviços de comunicações electrónicas. Os Estados-Membros têm de adaptar a legislação nacional às garantias dadas na nova directiva até 24 de Maio de 2011.
"

Estas "garantias" informais de nada servirão se este pacote deixar em aberto a possibilidade da aplicação da medida dos 3 avisos nos diversos ordenamentos jurídicos europeus, como parece acontecer, desde já, no caso britânico.

Ler comunicado de imprensa do Parlamento Europeu.
Ler mais sobre os 3 avisos no PITI.

22 novembro 2009

Voto electrónico

Tenho frequentado alguma formação que me tem permitido reflectir sobre alguns assuntos que interessam ao PITI. Vou deixando ficar as questões mais interessantes.

Admissibilidade de voto electrónico, em substituição do voto presencial e escrito

Além de presencial e escrito, o voto em que se baseia o nosso sistema democrático deve ser universal, livre e secreto, além de pessoal. Acredito que a tecnologia se mostre capaz de assegurar as vertentes da universalidade e da liberdade do voto. Contudo, é com maior cepticismo que acredito que essa tecnologia poderá salvaguardar o secretismo e a pessoalidade do voto. O voto electrónico (não presencial) pode trazer vantagens, como por exemplo a possibilidade de se votar em qualquer local e o combate à abstenção. Mas, à partida, tais vantagens prendem-se com o eventual comodismo do eleitor. A democracia não é fácil de cumprir, mas não tem de ser. Acredito que o acto de votar exige alguma solenidade, o que afasta a generalização do voto electrónico não presencial. A possibilidade do voto electrónico presencial, ou o voto electrónico só para determinadas situações muito específicas, com medidas de controlo apertado, não me choca.

20 novembro 2009

Críticas à Lei do Cibercrime

Hoje ouviram-se algumas vozes críticas quanto à nova Lei da Criminalidade Informática.
As críticas começaram na PJ, passaram pelos juízes e terminaram no Governo.

Ler notícias na TSF.
Ver mais sobre cibercrime no PITI.

18 novembro 2009

PI esteve em discussão

Na passada 6.ªfeira decorreu em Lisboa, no Centro de Estudos Judiciários, a conferência "Um ano de vigência da Lei n.º16/2008, de 1 de Abril". Esta iniciativa demonstrou ser da maior relevância na área do Direito da Propriedade Intelectual. Infelizmente, não são muitas as actividades subordinadas à discussão destas temáticas, pelo que é de louvar todas as acções neste âmbito.

O PITI marcou presença nesta actividade e, em breve, dará conta de alguns dos pontos discutidos na conferência.


Para já, ficam algumas fotos da conferência, que contou com muitos participantes.





17 novembro 2009

TMview

Foi recentemente disponibilizada a versão BETA de um sistema de pesquisa de marcas registadas (TMview) que conta com as bases de dados do IHMI, da OMPI, e dos Institutos Nacionais de PI do Reino Unido, Republica Checa, Itália, Benelux, Portugal e Dinamarca.

De realçar que se trata de uma eventual pesquisa em relação a mais de 5 milhões de marcas registadas.

No entanto, desengane-se quem presumir que será uma pesquisa morosa, fruto da sua dimensão.

Após algumas simulações, o PITI ficou impressionado com a rapidez com que os resultados são apresentados.

Com a inclusão de mais 8 bases de dados prevista para 2010 (respeitante a mais 8 Institutos da Comunidade), em breve será possível apresentar um pedido de registo de marca comunitária com maiores garantias de sucesso.

Por outras palavras, poderá deixar de ser necessário “fazer figas” para que o nosso pedido de registo de marca não colida com uma marca nacional registada num dos 27.

Pensando melhor, tendo em conta os possíveis motivos absolutos de recusa do pedido (possivelmente baseados nos várias idiomas dos 27)…talvez seja prudente não festejar antes do tempo.

A pior (mas correcta) interpretação

Quanto às dúvidas (?) levantadas relativamente ao acordo obtido entre Parlamento Europeu e o Conselho, assunto já discutido aqui e aqui, as más notícias continuam. O PITI interpretou o referido acordo como abrindo a porta aos 3 avisos com corte de Internet prévio a qualquer decisão judicial. A mesma interpretação tem vindo a prevalecer, deste feita relativamente à situação britânica.

A OUT-LAW vem reportar que o acordo obtido não vai colidir com a opção britânica, que passa pela opção dos 3 avisos e em que poderá haver corte de Internet sem a decisão de um juiz. Refere o artigo:

"The wording has been celebrated by some as an obstacle to controversial plans put forward by the UK Government for dealing with file-sharing. But John MacKenzie (...) warned that this interpretation is flawed.
"The Directive if passed will require a process to be followed before disconnection takes place," he said. "That gives Member States a lot of flexibility for policies like three-strikes-and-you're-out. It doesn't demand a right to a trial before disconnection takes place."
(...)
"When you look at the detail of the UK proposal, and you compare it with the EU's compromise wording, you find that they're compatible," he said. "Consumers and ISPs may not like the Government's approach in the slightest, but its plan to allow disconnections without a court hearing is neither blocked by the EU's proposal nor without precedent. It's a legal process, it's just not one that requires any court hearing.
"

Ler artigo completo da OUT-LAW.

16 novembro 2009

A morte digital... e os CTT

Já há algum tempo que o PITI não escreve sobre mundos virtuais, e sente saudades de o fazer.
Duas notas sobre este tópico.


Já defendi que a propriedade virtual, nomeadamente a existente em mundos virtuais como o Second Life, deveria ser tratada pela lei como a propriedade corpórea. Mas, há uma problemática que não tinha considerado - e, em caso de morte do proprietário?
Bom, em princípio esta questão será resolvida com base nos termos do serviço, que hoje significa, em geral, que a informação de um utilizador que falece é apagada. Bom, isto traz uma nova tónica à discussão. Se olharmos para a questão dos perfis em redes sociais, adicionarmos o problema da privacidade temos uma interessante e complexa dúvida entre mãos.
O NY Times tem um artigo muito interessante sobre o tema. E que tal, como o artigo perspectiva, termos directivas antecipadas de vontade para a nossa identidade digital.


Por cá, os CTT marcam presença no Second Life, com várias vertentes. Desde o "Mundo CTT" e "Mundo da Filatelia" até ao "Mundo da Ecologia" e "Mundo da Imaginação".










Ver notícia dos CTT e do Tek Sapo.
Ver imagens dos CTT no Second Life.
Ver os CTT dentro do Second Life.

09 novembro 2009

Conferência "Um ano de vigência da Lei 16/2008, de 1 de Abril"

Tem lugar na próxima 6.ªfeira, dia 13 de Novembro, a conferência subordinada à Lei Enforcement (Lei n.º16/2008, de 1 de Abril), que decorrerá no auditório do CEJ.

Podem consultar o programa aqui.

07 novembro 2009

Ian Walden no Porto (e contra os 3 avisos)

O PITI teve a oportunidade de questionar Ian Walden, na primeira pessoa, sobre a interpretação que este tem do acordo obtido entre o PE e o Conselho Europeu (objecto deste post).

Tal proporcionou-se na conferência de hoje subordinada ao tema "Comércio Electrónico", organizada pelo Centro de Investigação Jurídico-Económica (da Faculdade de Direito da Universidade do Porto) no âmbito do seu 10.º aniversário.

Walden é um reputado académico na área do Direito das Novas Tecnologias, sendo professor de Direito da Queen Mary University of London.
Ian Walden fez uma brilhante apresentação sobre o tema "Electronic Commerce and Internet Governance", que foi mais sobre Internet Governance do que Electronic Commerce. Neste sentido, o académico britânico assumiu que sendo a Internet a "network of networks" tem de ser regulada, tendo abordado as realidades que já se encontram reguladas. De seguida, Walden abordou três questões fundamentais para a governance da Internet.

Em primeiro lugar, a questão do acesso. Walden abordou a situação da universalização da Internet, bem como a mudança do padrão de comportamento dos utilizadores das novas tecnologias (e, ainda, a alteração do próprio perfil desses utilizadores, dando como exmplo o seu pai octogenário). Ainda levantou a relevante questão do financiamento das infraestruturas para as novas tecnologias.
De seguida, o professor de Direito abordou a temática do controlo - por um lado do conteúdo, por outro da salvaguarda dos Direitos Humanos. Foi quanto ao conteúdo que Walden abordou a questão dos 3 avisos ("three strikes").
Por fim, Walden direccionou as atenções para a Segurança, desde a questão da jurisdição até aos reguladores nacionais.

No momento do debate, relativamente ao tema dos 3 avisos, Ian Walden expressou a sua opinião de que o corte de Internet deverá ser precedido por uma processo judicial. Questionado pelo PITI quanto à eventualidade do acordo PE-Conselho Europeu, obtido esta semana, poder colocar em causa essa situação, Walden respondeu que "that is a potential". Contudo, o orador ressalvou a importância que pode vir a ter o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (e, até, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), que facilmente se oporá a tal opção legislativa.
Não escondo o meu contentamento em saber que a posição de Ian Walden é idêntica à que já expressei aqui.

Ver a página do CIJE, e o programa da conferência (que me penitencio de não ter publicitado em tempo útil).
Ver perfil de Ian Walden.
Notícia de hoje no BLICO, sobre o referido acordo, que merece comentários - mas não aqui, devido à extensão do presente post.

05 novembro 2009

(sem) Garantias para o acesso à Internet

Depois de há um ano ter sido notícia (Há lei 3 avisos ou não? e PE e os 3 avisos), o Parlamento Europeu volta a ser notícia relativamente aos '3 avisos'. Desta feita houve acordo entre os eurodeputados e o Conselho Europeu quanto à inclusão da medida "3 avisos" no pacote das telecomunicações.

A notícia do Parlamento Europeu diz-nos que "O acesso dos cidadãos à Internet só pode ser restringido após um processo justo e imparcial, que salvaguarde o direito de o utilizador ser ouvido. Esta era a última questão em aberto no pacote das telecomunicações, sobre a qual os representantes dos eurodeputados e do Conselho chegaram ontem à noite a acordo". Não podíamos estar mais de acordo: "processo justo e imparcial, que salvaguarde o direito de o utilizador ser ouvido" é o mínimo que se pode exigir.

Continua a notícia com um tópico intitulado "Eurodeputados obtêm garantias para o acesso à Internet" - aqui duvido que essas garantias estejam asseguradas. Ora, refere a notícia que "As restrições de acesso à Internet só poderão ser impostas se forem necessárias, proporcionais e apropriadas a uma sociedade democrática, decidiram os representantes do PE e do Conselho. Todas as medidas devem respeitar o princípio de presunção de inocência e o direito à privacidade e ser precedidas por um processo equitativo e imparcial que garanta o direito a recurso. Em casos de urgência, poderá ser seguido um procedimento ad-hoc apropriado, desde que respeite a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.Os internautas poderão doravante referir estas disposições nas acções judiciais intentadas contra uma decisão de um Estado-Membro de restringir o acesso à Internet." Não só não está prevista a intervenção judicial previamente ao corte do acesso à Internet, como se refere que numa eventual disputa judicial (leia-se posterior ao corte, e, logo, depois de estarem produzidos os danos na esfera do internauta alegadamente infractor) estas disposições podem ser utilizadas como argumentos - disposições que são por demais genéricas: "necessárias, proporcionais e apropriadas a uma sociedade democrática".

A verdade é que não foi possível integrar a obrigatoriedade de uma decisão judicial prévia ao corte da Internet: "o Parlamento Europeu defendeu várias vezes que não devia ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores da Internet sem uma decisão judicial prévia (salvo nos casos em que a segurança pública fosse ameaçada, em que esta poderia ser tomada ulteriormente). O Conselho rejeitou por duas vezes esta alteração, tornando assim inevitável a abertura da conciliação (terceira e última etapa do processo legislativo da UE)".


O que se veio argumentar é que tal medida, ordem judicial prévia, seria uma ingerência no sistema judicial dos Estados, o que violaria as competências da União Europeia. Não podemos aceitar esta argumentação. Infelizmente, este resultado parecia incontornável, já em Outubro o Parlamento tinha feito cair a emenda 138 do Relatório Trautmann, que dispunha:


"g-A) Aplicando o princípio segundo o qual, na falta de decisão judicial prévia, não pode ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores finais, previstos, designadamente, no artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia em matéria de liberdade de expressão e de informação, salvo quando esteja em causa a segurança pública e desde que possa seguir-se uma decisão judicial."


Termino com uma passagem da resposta dada pelo eurodeputado Carlos Coelho ao PITI há pouco mais de um ano:

"considero que os princípios da privacidade dos utilizadores e dos direitos de autor devem prevalecer, podendo apenas serem restringidos num enquadramento legal claro. Assim, partilho da posição que apenas uma decisão judicial pode bloquear de forma definitiva o acesso à internet." (a resposta foi transcrita, parcialmente, no post "PE e os 3 avisos").

Infelizmente esta posição parece estar condenada.
O pacote das telecomunicações será votado no final do mês.


Ver a notícia do Parlamento Europeu.
Ver a notícia no DN e no PÚBLICO.
Ver a notícia da eliminação da emenda 138 no Tek Sapo.
Ver no PITI mais sobre os 3 avisos.
Ver a resposta de Carlos Coelho e o post que a motivou.



Edit (6/11/2009): vai uma grande confusão no seio do PÚBLICO, ora reparem na discrepância entre estas notícias: UE proíbe cortes punitivos do acesso à Internet sem decisão judicial e Parlamento Europeu autoriza corte de Internet aos "piratas" sem ordem judicial prévia. Para amenizar há uma 3.ª notícia: Norma europeia sobre corte de Internet a "piratas" levanta dúvidas. Todas datam do dia de ontem.